A Fome é uma Invenção do Capitalismo: Da Mentira da Escassez à Luta pela Soberania Alimentar

Reproduzimos o texto oriundo da conferência proferida no dia 03/10/2025:

A fome é sistematicamente apresentada como um problema técnico, resultado de uma suposta falta de comida, ou como uma tragédia natural decorrente de secas e guerras. Esta é a grande mentira que nos é contada. Na realidade, a fome não é uma falha do sistema capitalista; é uma de suas funcionalidades mais cruéis e brutais, a expressão máxima de uma lógica que coloca o lucro acima da vida.

A prova mais contundente dessa perversidade está no Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Na safra de 2022/2023, o país produziu mais de 300 milhões de toneladas de grãos. Se essa produção fosse simplesmente dividida pela população, cada brasileiro teria direito a mais de 4 kg de comida por dia. No entanto, em meio a essa abundância obscena, 33 milhões de pessoas passam fome e 70 milhões vivem em insegurança alimentar. Como é possível? A resposta é simples e direta: o sistema não produz para alimentar; produz para lucrar.

Esta é a lógica perversa do capitalismo: a comida não é um direito, é uma mercadoria. Seu valor primordial não está em nutrir pessoas, mas em gerar acumulação de capital. É mais lucrativo para uma grande corporação transformar milho em etanol ou ração para gado confinado do que garantir comida barata para a população. O desperdício deliberado — jogar leite fora ou deixar frutas apodrecerem — é uma estratégia de mercado para manter os preços altos. Quem comanda esse sistema são cerca de 50 corporações globais, como Cargill, Bayer e Nestlé, que controlam a produção, a distribuição e os preços dos alimentos. A comida está nas mãos de quem quer sugar lucro, não nutrir vidas.

No Brasil, a face mais visível dessa máquina de gerar fome é o agronegócio. Ele não produz comida; produz commodities para exportação. Enquanto ocupa 75% das terras cultiváveis, é a agricultura familiar, que usa apenas 23% da área, quem coloca a comida de verdade na mesa do brasileiro, responsável por 70% do feijão, 58% do leite e 38% do café. Ainda assim, o agronegócio recebe a esmagadora maioria dos subsídios e créditos governamentais. O sistema, portanto, financia quem exporta lucro, não quem alimenta o povo. E o faz através da expulsão de comunidades tradicionais, do envenenamento da terra com agrotóxicos e da destruição de biomas, consolidando-se como um projeto de morte.

O Estado, longe de ser um mediador neutro, atua como o gerente desse capital. O desmonte de políticas públicas é uma escolha política. O Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU em 2014 graças a políticas robustas de apoio à agricultura familiar e distribuição de renda. Com o governo posterior, essas políticas foram desmontadas, e o país retornou ao Mapa da Fome em 2022. Isso não foi um acidente, mas a consequência direta de um Estado que serve ao capital e joga com a vida do povo conforme os interesses das classes dominantes. Programas bem-sucedidos como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE, que direciona 30% da alimentação escolar para a agricultura familiar, mostram que soluções existem, mas são sempre os primeiros alvos quando o capital exige austeridade.

Diante desse cenário, não basta denunciar. É preciso construir as alternativas aqui e agora, sem depender do Estado ou das corporações. A Ação Direta se materializa nas ocupações de terra do MST e outros movimentos, que não são “invasões”, mas a recuperação de terras roubadas para um propósito social: produzir comida de verdade, sem veneno, de forma cooperada. O Apoio Mútuo se concretiza nas cooperativas de agricultura familiar, nas feiras livres, nas hortas comunitárias e nos circuitos curtos de produção e consumo. Um exemplo prático é a ASTRAF no Distrito Federal, que produz 40 toneladas de alimentos orgânicos por mês e abastece diretamente as escolas públicas. Isso é soberania alimentar na prática: o povo controlando o que produz e o que come.

Conclui-se, portanto, que a fome é uma arma política. É um instrumento para controlar, disciplinar e fragilizar a classe trabalhadora. Um povo com fome é mais fácil de manipular. O problema mundial nunca foi a falta de comida, e sim a concentração de renda, terra, poder e lucro — engrenagens do Estado e do Capital que fabricam a escassez. Nossa luta não é por migalhas ou “mais políticas públicas”. É por uma mudança radical: pela terra livre, pelas sementes crioulas, pela autogestão das comunidades e pelo fim do poder das corporações e do Estado. A fome é uma invenção do capitalismo. E a nossa tarefa histórica é inventar, com nossas próprias mãos, um mundo novo onde ela seja apenas uma lembrança ruim. Pela terra, pela liberdade e pelo fim de toda a dominação!

Liberto Herrera.

União Anarquista Federalista – UAF

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